O ciúme consiste em um estado afetivo comum e de grande ocorrência em todos os gêneros. A sua manifestação pode ser considerada como um afeto tido como algo normal, mas não em todos os casos, já que alguns extrapolam uma condição aceitável.
Freud descreveu três níveis de apresentação do ciúme, sendo que o primeiro seria a mais superficial e evidente. Já o segundo e terceiro níveis, os mais profundos, teriam características mais preocupantes, que necessitam de atenção e cuidado devidos à sua forma de organização e possíveis consequências. Eis as três camadas do ciúme:
Ciúme competitivo ou normal: embora esteja dentro do que se entende por normalidade, esta modalidade do estado afetivo não é racional. Ela se associa à possibilidade de o sujeito experimentar o luto e a dor por perder alguém amado. Além disso, favorece a aparição de sentimentos hostis direcionados a uma terceira pessoa, que seria uma espécie de rival, cujo potencial é de ser beneficiada pelo amor daquele que se ama.
Ciúme projetado: neste estado, começam a surgir pensamentos estruturados sobre uma suposta infidelidade por parte do parceiro. Isto é, a pessoa constrói uma convicção de que o seu par amoroso é infiel independentemente de os fatos da realidade mostrarem o contrário. Alguns desses casos já acabam por criar situações repetitivas e desgastantes, que comprometem a vida afetiva do casal em conjunto e separadamente. Essa condição já demanda, pois, tratamento analítico, uma vez que é possível existir algum direcionamento da agressividade ao outro, fora o sofrimento que é experimentado pela própria pessoa.
Ciúme delirante ou paranoico: consiste em uma modalidade de potencialização do ciúme projetado com conteúdos agravados. Neste nível, os pensamentos e as ações estruturadas sobre a infidelidade do outro alcançam um patamar mais elevado e a agressividade começa a se tornar explicitamente evidente e muitas vezes incontrolável. Isso gera consequências significativas que beiram a violência ou se tornam ela própria. Essa condição potencializada se associa ao que atualmente se denomina como “relacionamento abusivo” embora no ciúme projetado também possa haver tal indício.
A respeito das causas do ciúme, é muito comum as pessoas as atribuírem a um problema de autoestima. Entretanto, esse diagnóstico é um tanto simplório, porque suas causas podem ser específicas, variáveis, mais complexas e passíveis de investigação a partir da Psicanálise. No entanto, mais importante do que as descobrir, é localizar a posição da pessoa em relação ao par amoroso e quais as consequências disso. Ficar fixado no ciúme manifesta, nos casos mais leves, uma situação extremamente cansativa e desgastante, na qual o sujeito se questiona o tempo todo sobre o seu valor para o outro. Com isso, ocorre um comprometimento global das atividades diárias, já que o pensamento é impelido a se ocupar em grande parte do tempo com essa questão.
Conforme o ciúme avança, algumas reflexões e, por vezes, até mesmo ações altamente articuladas se orientam como uma obsessão para flagrar o ato de infidelidade do parceiro. Não é incomum identificar no ciumento dois sentimentos opostos ao mesmo tempo: o da expectativa e o do medo de que o par amoroso confesse a sua infidelidade. Tal momento temido e esperado seria o que, supostamente, daria condições legítimas para que aquele que sente ciúmes saia do relacionamento.
Embora o ciúme possa ser vivenciado como um estorvo, ele se associa diretamente às questões do amor. Esse estado afetivo consiste em uma “perseguição do amor verdadeiro” (DUNKER, 1996, p. 38), mas que o aceita apenas em uma forma ilusória. Ou seja, o ciumento só aceita o amor apenas em forma de certeza. Isso é extremamente perigoso, pois a falta dessa convicção pode abrir caminho para que a outra face do amor apareça: o ódio.
A relação entre o ciúme e o amor é tão evidente que, antes mesmo que um relacionamento se estabeleça, o estado ciumento pode ser provocado no outro como uma técnica de sedução, que pode ser muito eficaz, por sinal. Se alguma pessoa mostra sentir ciúme, de certo modo, ela acaba por revelar para o outro o potencial de amá-lo e, com isso, sua vulnerabilidade em relação a quem causou o ciúme.
Todavia, essa situação é um tanto arriscada. Se se deseja usar essa técnica de sedução para conquistar alguém, o que mais importa na pessoa a ser conquistada são alguns de seus traços superficiais. O mais significativo para o sedutor, independente do gênero, é ter a sensação e a confirmação de que é amado e querido por alguém. Essa situação gera consequências.
Para finalizar, é imperativo destacar algo muito comum na vida do ciumento. Normalmente, ele ou ela costuma dizer: “Eu dei tudo para a pessoa” ou “Eu fiz tudo por ela”. Contudo, a libertação do ciúme perpassa, dentre outras coisas, pela descoberta que o amor não aceita e não tem relação com “dar tudo” para o outro; muito menos ter ou possuir alguém que realiza uma dedicação total da sua vida para o amado. O amor se afasta da posse e do controle. Ele é um sentimento capaz de aceitar outra coisa, nem sempre fácil de descobrir, mas que é possível dar e receber.
Por ser algo recorrente, o ciúme é identificado em praticamente todas as pessoas. Aquele que diz não ter esse sentimento, na maior parte dos casos, pode ser alguém que não se dá conta sobre a forma como esse estado afetivo o afeta. Na realidade, quem faz essa afirmação costuma ter a tendência de ter um meio específico e muito próprio para lidar com essa situação, que acaba por gerar outras consequências diversas daquelas que se mostram conscientes do próprio ciúme.
Fontes:
DUNKER, Christian. O Ciúme e as formas paranóicas do amor. 1996.
FREUD, Sigmund. Sobre alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e na homossexualidade (1922). Companhia das Letras, 2011.
SIMÕES, Alexandre. Psicanálise e Ciúmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zlY8vuFby4U