Autossabotagem





Autossabotagem é uma expressão da linguagem popular e se refere aos tropeços e vacilos que se costuma cometer na vida. Ela, normalmente, produz a consequência de afastar as pessoas de objetivos e das metas pretendidas. Sua ocorrência é associada aos acontecimentos mundanos ou às falhas ocorridas, que acabam por se tornarem impeditivos para o alcance de algum êxito estimado. Em síntese, ela é bem descrita nas situações em que se diz: “Eu tinha tudo para conseguir, mas, do nada, tudo deu errado!”


O mais curioso da ocorrência desse fenômeno é que, geralmente, ele aparenta ter a característica de ocorrer a partir de um evento inesperado e imprevisível, como algo que atravessa o caminho e que não se espera. Mas, além disso, a autossabotagem pode acontecer pelas ações que se realiza e que parecem ser “sem querer”, como, por exemplo, quando se manda uma mensagem para a pessoa que “não deveria” ou quando se troca o nome de alguém com quem está. É possível se sabotar também nos contextos em se deixa de tomar atitudes em determinadas situações, nas quais se poderia “aproveitar as oportunidades”. Esquecer um compromisso ou de fazer alguma ligação são boas figurações desse caso.


Embora seja um fenômeno muito reconhecido no cotidiano, a autossabotagem costuma despertar a seguinte dúvida: o que faz com que eu próprio me coloque em situações ou faça coisas que me atrapalhem em conseguir o que eu quero?


Mesmo que tal situação seja recorrente e relativamente de fácil identificação, suas causas nem sempre são compreendidas. Contudo, a autossabotagem pode ser facilmente associada a uma questão central e fundamental de uma descoberta da Psicanálise com Sigmund Freud: a existência do inconsciente.


Por ocasião dessa revelação, foi-nos esclarecido que os comportamentos, alguns estados emocionais e diversos eventos muitas vezes considerados como uma espécie de “destino” não são de todo modo determinados pelo esforço da consciência, por um mero acaso ou pela predestinação. Freud nos permitiu enxergar que, dentro das especificidades de cada pessoa, os fracassos, as formas de sofrimento e até mesmo uma ideia de “destino” seria, na realidade, significativamente determinada pela implicação do inconsciente na vida das pessoas. Mas, por ser inconsciente, não seria algo tão claro como aquilo que é próprio da vida consciente.


Se se percebe que a consciência pode ser uma cena clara, constituída, essencialmente, pelo que os cinco sentidos mostram, o inconsciente corresponde a uma outra cena, cujas leis de funcionamento são diferentes. Acessá-lo não se dá pelo mesmo processo do primeiro caso.


A experiência de autossabotagem é impossível de ser generalizada para todas as pessoas por mais que todos possam ter uma dose disso. O processo pelo qual o inconsciente diz e quer dizer alguma coisa está diretamente associado à cada pessoa singular, única e exclusivamente. Aquilo que prende uma pessoa pode ser o que coloca a outra livre e, para um terceiro, algo indiferente. Algumas pessoas nunca pisam em uma casca de banana; outras sempre tropeçam nas mesmas. Nesse contexto, é essencial compreender que os processos de autossabotagem não podem ser generalizados para todos.


No entanto, por colocar cada pessoa em um lugar muito singular, às vezes isso pode ser experimentado como algo que com o decorrer do tempo abala as perspectivas. Assim, as ideias de destino e predestinação podem surgir como aquilo que é capaz de trazer um pouco de paz para os recorrentes fiascos. Isso é bem identificado naquelas falas amplamente ditas: “As coisas sempre são assim pra mim!” ou “Não importa o que eu fizer, sempre terei tal resultado”. Entretanto, pelo olhar clínico, algumas vezes, esse posicionamento pode estar funcionando como algo que mantém a pessoa fixa em um lugar difícil de sair, mas que é possível.



Nesse aspecto, é imprescindível abrir o campo de compreensão sobre a autossabotagem ao menos por duas vias. Por um lado, é primordial ouvir o que algo do inconsciente diz e o que ele quer dizer por mais sutil que seja essa voz. Por outro, é crucial tentar identificar as reais consequências que as ideias de êxito e sucesso podem gerar em cada um.



Conscientemente, ambos são altamente estimados e tidos como algo bom. Em certa medida, é raro ouvir de alguém que não deseja ter êxito ou sucesso com aquilo que se busca. Mas o êxito nunca surge sozinho. Ele costuma aparecer, conscientemente ou não, altamente articulado com seu oposto, que é o fracasso. Com isso, é preciso que cada um trabalhe em sua dinâmica de vida as razões pelas quais, “sem querer”, o fracasso se torna um destino recorrente. Há de se entender o que a sua casca de banana está querendo dizer. Por vezes, o fracasso pode ser menos desconfortável que o êxito, e isso nem sempre é por acaso e muito menos fruto uma predestinação.



Fontes:

DUNKER, Christian. Existe autossabotagem? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yoy4TBg4ni4

FREUD, Sigmund. Psicopatologia da vida cotidiana (1901). Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Cinco lições de Psicanálise (1910). Companhia das Letras, 2013.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). Companhia das Letras, 2010.